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ARTIGO DE OPINIÃO - A privação não é só de liberdade

Sistema Carcerário Brasileiro: A privação não é só de liberdade 

São Paulo, 2 de outubro de 1992, Casa de Detenção Carandiru, 111 detentos mortos.  Maranhão, 8 de julho de 2003, Complexo Penitenciário de Pedrinhas, 22 detentos mortos, muitos deles decapitados. Rio de Janeiro, 30 de maio de 2004, Casa de Custódia de Benfica, 30 detentos mortos carbonizados. Amazonas, 1 de janeiro de 2017, Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), 60 detentos mortos. Pará, 29 de julho de 2019, Centro de Recuperação Regional de Altamira, 58 detentos mortos, 16 destes decapitados. São cinco estados do país, com datas distintas e episódios iguais: a morte. Este é o fracassado sistema carcerário brasileiro, o matadouro de gente. 

Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil possui medalha de bronze quando se trata da modalidade “maior população carcerária do planeta”, perdendo somente para os Estados Unidos e a China, que ocupam primeiro e segundo lugar, respectivamente. O país dispõe oficialmente de um espaço de encarceramento para menos de 418.000 pessoas, mas registra o número de 812.000 presos em cadeias estaduais. Desde 2000 houve um aumento de 160% na população carcerária do Brasil. 

Além da superlotação, que por si só já garante péssimas condições de vida, o descaso com a saúde do encarcerado é latente.  Segundo estudos realizados pela British Broadcasting Corporation (BBC),  foi descoberto que detentos têm 30 vezes mais chances de contrair tuberculose e quase 10 vezes mais probabilidade de serem infectados pelo vírus HIV, em relação a pessoas livres. Em outra análise, esta fornecida pela Defensoria Pública, no estado do Rio de Janeiro, 517 presos morreram por consequências de doenças no período de janeiro de 2015 a agosto de 2017, menos de 2 anos. Também pudera, existindo em celas minúsculas compartilhadas pelo quádruplo de sua capacidade, tendo a alimentação baseada em comidas estragadas, indignas até mesmo para os porcos, péssimas condições sanitárias, convivendo sem o mínimo de suas necessidades básicas assistidas, o quadro de adoecimento, físico e mental nos presídios tem bem um porquê.  

Após inspeções em cadeias brasileiras, os peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), órgão ligado ao Ministério da Justiça, publicaram relatório revelando graves violações aos direitos humanos nos cárceres. “Um palco de maus-tratos e tortura”, é assim que se faz referência ao Complexo do Curado, no Recife. A privação não é apenas de liberdade. 

A negligência com os prisioneiros no Brasil possui ainda raízes ideológicas cultivadas pelo preconceito, pela soberba, pela mania que o ser humano tem de ‘brincar de deus’ e ditar as regras. Bandido pobre, negro, favelado, roubou porque quis, aceite suas consequências. Marginal morreu? Levou bala na cabeça? Foi carbonizado? “Ótimo, pelo menos a mãe de nenhum inocente chorou hoje”. Desde quando naturalizar o assassinato virou discurso aplaudido e replicado? Jair Bolsonaro talvez devesse responder essa questão. Após a carnificina ocorrida em 29 de julho, na prisão de Altamira, no Pará, quatro presos morreram  durante o trajeto de transferência até Belém. O presidente da república quando questionado sobre a ocorrência deu de ombros: "Pessoal, problemas acontecem, está certo?".

Em um país onde parte da população cega pela arrogância esbraveja “direitos humanos para humanos direitos”, o discurso do presidente legitima os que tratam os direitos básicos como privilégios. A linguagem bolsonarista que enxerga a morte do “bandido” quase como regozijo à alma é a pura compreensão de que a violência no Brasil se tornou uma espécie de conduta. Para eles, os Direitos Humanos tornam as prisões uma colônia de férias, e asseguram aos criminosos uma vida abastada, da qual eles não são merecedores. Mas a realidade é bem diferente do que pensa o ‘cidadão de bem’. Os encarcerados no país, com raras exceções, vivem beirando à barbárie. Parafraseando um versículo bíblico que diz “o meu povo padece pela falta de conhecimento”, o ‘bolsofã’ peca pela falta de informação, e por vezes, de humanidade.

Há um extenso abismo entre a melhoria na condição de vida nos presídios brasileiros e o governo atual. O cenário instaurado no sistema carcerário do país é cruel. Homens reféns de doenças que poderiam ser tratadas, mães vivendo com seus bebês recém nascidos nas celas, guerras de facções, rebelião, chacina, medo, morte. A demonização da luta pela validação dos direitos do encarcerado segue, e a turma do presidente da República ainda acha que o sofrimento causado é pouco, até porque “bandido bom, é bandido morto”. 

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Artigo de opinião produzido academicamente para cadeira de Redação Jornalística III.

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